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“Crise e Psicoterror”

há 461 semanas

A diferença entre as boas e as más organizações evidencia-se em diferentes momentos da relação laboral. Revela-se, entre outras formas, no respeito e cortesia com que um candidato é tratado durante o processo de recrutamento, no cuidado que é colocado no seu acolhimento e integração e no investimento que é feito no seu bem-estar e desenvolvimento.

Mas, como profissional de gestão de activos humanos, sinto que é principalmente quando a “crise” bate á porta e a relação laboral está em risco que as verdadeiras diferenças vêm à tona. Antes de mais, porque as boas organizações, sabendo que não podem honestamente garantir o posto de trabalho, procuram, pelo menos, garantir a empregabilidade de cada uma das suas “pessoas”, investindo na sua formação. Depois, porque no momento da saída tudo fazem para que ela se dê com justiça, respeito e dignidade, mesmo que isso signifique alguns custos adicionais.

As más organizações, pelo contrário, vêm as pessoas como centros de custo e proveito, preocupando-se apenas em retirar de cada um dos seus “recursos” o máximo de rentabilidade. Para isso há que minimizar os encargos (salários, condições de trabalho, formação, etc.) e aumentar os rendimentos (horas, ritmo e pressão). Quando esses recursos deixam de dar os níveis de rentabilidade que consideram ajustados, há que se livrar deles da forma mais barata possível, mesmo que isso tenha impacto negativo nos que ficam ou na imagem da empresa.  

È nestas fases que, em algumas (felizmente existem muitas excepções) empresas, surge a tentação de usar formas que levem os colaboradores a sair da empresa com o menor custo possível, fazendo uso de, por exemplo, pressões profissionais ilegítimas, corte injustificado de benefícios, tratamento vexatório e ameaças.

Este fenómeno é denominado assédio moral (expressão legal), terror psicológico, psicoterror e “mobbing” (to mob significa em Inglês agredir com violência) pode ser sinteticamente definido como violência moral ou psicológica exercida em contexto organizacional, através de actos, atitudes ou comportamentos de violência moral ou psíquica, protagonizados por superiores hierárquicos, colegas ou subordinados, repetidos ao longo do tempo e que levam à degradação do exercício do trabalho em condições dignas, atingindo, desta forma, a dignidade da pessoa e resultando em humilhação e sofrimento

Em termos concretos, trata-se da exposição de um ou mais colaboradores a condutas intencionais abusivas e humilhantes, repetidas no tempo, com o objectivo de os desestabilizar e os forçar a abandonar a organização. Em momentos de crise, quando muitas empresas vêm o seu negócio travar bruscamente e os seus resultados financeiros a serem reduzidos drasticamente, cria-se um ambiente propício para o aumento destes comportamentos reprováveis e ilegais.

Habitualmente estas condutas são mais comuns em culturas caracterizadas por relações hierárquicas autoritárias, em que prevalecem comportamentos desrespeitosos dos chefes em relação a seus colaboradores, com consequências emocionais negativas para estes. As vítimas são isoladas, desacreditadas, ridicularizadas e hostilizadas perante os seus colegas, os quais, receosos de virem a ser acrescentados à “lista negra”, se alheiam do que se está a passar.

Esta humilhação prolongada do assediado vai gradualmente fragilizando a sua auto-estima, danificando a sua dignidade, dificultando as suas relações sociais e provocando graves danos à saúde psicológica e mesmo física. O desemprego, as depressões e, nos casos mais graves, o suicídio, são as consequências mais comuns.

Em Portugal, devido às limitações constitucionais ao despedimento sem justa causa, este fenómeno ganhou (apesar da nossa cultura de “brandos costumes”) uma acuidade particular que levou a que a sua proibição ficasse consagrada no Artigo 29º do Código do Trabalho onde é definido como “o comportamento indesejado … com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”.

Convém realçar que estamos perante comportamentos ilegais, o que significa que não podem ser consideradas como assédio moral as actuações e ordens legítimas dadas a um colaborador como sejam, a exigência de cumprimento de deveres funcionais, o desconto de tempo por incumprimento injustificado de regras de assiduidade e pontualidade, o pedido de devolução de instrumentos de trabalho ou a solicitação de entrega documentação / relatórios justificativos da actividade.

Os ataques partem, em regra, da pessoa que exerce funções de chefia da vítima e que o faz por ela atrapalhar, por qualquer forma, os seus interesses do momento. Mas esta é apenas uma regra geral, sujeita a inumeras excepções. A primeira é que nem sempre o assédio é efectuado por um superior hierárquico. De facto, existem casos em que são colegas ou mesmo subordinados que protagonizam os ataques. Isto é frequente em períodos de reestruturações com redução de efectivos, em que se “conluiam” grupos para tramar uma vítima ou ainda no caso de admissões de novos elementos para grupos muito “rotinados”. A segunda excepção é que, mesmo sendo um ataque individual (em determinadas circunstâncias pode consubstanciar crime), o assediador consegue em muitos casos a cumplicidade de alguns colegas, a indiferença da maioria e a conivência dos gestores de topo.

A figura que se segue pretende dar uma visão gráfica sobre as formas mais típicas de assédio moral através do cruzamento dum vector que mede o grau de agressividade do ataque com outro sobre o número de autores desse ataque. 

Nas formas menos agressivas, o assédio moral pode assumir essencialmente duas figuras. O abuso de poder, quando alguém, individualmente, usa, ilegitima e abusivamente, o seu poder hierárquico ou funcional sobre outra pessoa para a colocar numa situação indesejada e humilhante. Ou a hostilização quando alguém, com o apoio activo de outros, cria para outra pessoa um ambiente intimidativo e hostil que impedem que ela exerça as suas funções em condições dignas para a sua realização profissional e pessoal. Em casos de ataques com maior grau de violência, o assédio pode a assumir a forma de perseguição, quando é individual ou de psicoterror quando é exercido com a participação activa de um grupo de pessoas, mesmo que com diferentes níveis de envolvimento.

Mesmo que o assédio tenha habitualmente um cariz individual, defendo que é responsabilidade dos responsáveis de cada organização (especialmente do CEO e do Director de Recursos Humanos) criar processos de prevenção deste tipo de situações, até porque, para além do risco de forte dano na imagem pública da empresa, o Código do Trabalho refere que o assédio constitui contra-ordenação muito grave e confere à vítima “o direito a uma indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais”.

Não se pode dizer que o assédio moral seja um fenómeno novo. Ele é tão antigo quanto as relações laborais. A novidade reside numa maior intensificação e gravidade deste tipo de situações, provocado por um ambiente depressivo e onde muitas organizações passam por um período de grandes dificuldades.

 

José Bancaleiro,

Managing Partner

Stanton Chase International – Executive Search Consultants

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Comentário de Paulo Sergio:
Muito bom este trabalho

2016-04-03 15:24:55
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