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Walk the Talk

há +187 semanas

A primeira vez que ouvi a frase “Walk the talk” foi no início da década de noventa na multinacional farmacêutica em que trabalhei (hoje GSK). Era na altura muito usada para colocar em causa a credibilidade dos líderes da empresa que não praticavam no dia a dia os valores da cultura (pessoas, cliente, inovação e integridade) que apregoavam nos seus discursos.

Em termos sintéticos, exta expressão idiomática da língua inglesa significa praticar aquilo que se apregoamos ou, dito de outra forma, alinhar as nossas ações com as nossas palavras. Costuma, aliás, dizer-se que as ações falam mais alto que palavras.

Percebi ao longo dos anos que o “walk the talk” se foi democratizando e fazendo parte do léxico muitas áreas. A este crescimento e disseminação não será, seguramente, estranho o evoluir duma sociedade em que a comunicação é cada vez mais (omni) presente, mais rápida e mais importante, e na qual se criou, especialmente nos campos  político, social e económico, uma enorme falta de sintonia entre o que se “promete” e o que se executa.  

No campo da gestão, o “walk the talk” tornou-se num dos aspetos basilares da liderança. Chamemos-lhe liderar pelo exemplo, credibilidade ou autenticidade, o que está em causa é o alinhamento entre aquilo que líder defende e aquilo que ele pratica, porque, em última instancia, o caráter dum líder depende da forma como ele transforma o seu propósito em valores e estes em comportamentos consistentes. Não há nada que prejudique mais a liderança do que a quebra da confiança provocada por fazer promessas que não pode cumprir.

Quando, pelo contrário, um líder é consistente nas suas palavras e atos, especialmente em tempos turbulentos, isso transmite à sua equipa orientação, confiança e, especialmente, modelos de comportamento que quando seguidos coletivamente e de forma continuada se transformam em hábitos e originam aquilo que chamamos cultura organizacional. A cultura é muito mais influenciada por comportamentos dos líderes do que por discursos inflamados.

Á medida que a expressão se foi afirmando no “gestionês” (linguagem da gestão) foi também ganhando uma riqueza extraordinária. Cada uma das duas palavras que a compõem tem um significado distinto e bem marcado. Talk significa, neste contexto, o falar, discursar, apregoar, teorizar, fazer planos, decidir e anunciar entre outros verbos. Walk transmite a ideia de agir, fazer, alinhar, cumprir, praticar, executar, etc. A combinação entre elas pode retratar situações muito diversas e muito interessantes.

A primeira combinação é “talk the talk” e é usada para retratar as situações em que pessoas e organizações analisam, debatem, planeiam, anunciam decisões e depois . . . nada do que foi decidido e anunciado acontece. Todos conhecemos Organizações em que se fazem grandes planos que nunca são executados e depois se voltam a fazer mais planos, os quais também nunca se concretizam. O pior é que, em muitos casos, toda a gente se habitua a esta forma de (não) funcionar e acaba por achar normal.

O mesmo acontece com muitas pessoas. Estudam, planeiam, decidem, por exemplo, programas de treino físico detalhados, mas depois vão adiando o momento saltar para cima da passadeira, até que voltam a fazer um novo excelente plano, cujo início também vão protelando. Não é por acaso que se diz que delinear boas estratégias é fácil, executá-las é que é difícil!

A segunda é “walk the walk”e retrata os casos, que também todos conhecemos, de pessoas e empresas que, por muito que mudem as circunstâncias, fazem sempre as mesmas coisas. Como alguém disse (não foi Einstein) “insanidade é continuar a fazer as mesma coisas e esperar resultados diferentes”. A força das rotinas individuais (hábitos) e coletivos (cultura) é absolutamente terrível. É o caso da pessoa que sabe que (mero exemplo) a sua saúde está em risco e que fumar o prejudica e, apesar disso, contínua a fazê-lo repetidamente. É igualmente o caso da organização que tem uma noção clara que um determinado produto está a ser substituído por outro e a perder mercado e contínua a insistir na mesma estratégia e diariamente a fazer as mesmas ações comerciais. As (más) rotinas (walk the walk) são muito difíceis de mudar e podem levar à morte duma pessoa ou ao desaparecimento duma empresa.

Por ultimo, Talk the walk retrata segundo alguns autores a importância de explicar o caminho que se vai percorrer. Todos reconhecemos a importância da comunicação para motivar alinhar esforços e estes autores usam esta frase para realçar este aspeto.

Uma outra análise usa esta fórmula para descrever as situações individuais e coletivas em que é assumida como estratégia aquilo que são as práticas do passado, recusando assim a inovação. Também todos conhecemos casos de organizações que competências muito distintivas numa determinada área (por exemplo, revelação de fotos) que, por muito que mude o mercado (fotografia digital), elas vão sempre desenhar estratégias (talk) assentes naquilo que sabem fazer bem (walk). São organizações (e pessoas) que se viram para dentro e se fecham à evolução da sociedade e do mercado. Mais tarde ou mais cedo acaba por dar mau resultado.

Pense nisto!

 

Lisboa, 17 de Julho de 2020

 

José Bancaleiro

Managing Partner

 

Stanton Chase Portugal | Your Leadership Partner

Publicado na Revista Human Resources - https://hrportugal.sapo.pt/jose-bancaleiro-nao-ha-nada-que-prejudique-mais-a-lideranca-do-que-a-quebra-de-confianca-provocada-por-se-fazerem-promessas-que-nao-se-podem-cumprir/

Comentário de Francisco Batista:
Carissímo
Gostei como habitualmente de ler o que escreves pois reflecte também o que penso sobre o assunto e sobre o que nos rodeia.
Forte abraço embora virtual

2020-09-16 15:01:10
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