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“Não é bem assim”

há 934 semanas

O grupo era simpático e interessado. Era composto por pequenos comerciantes duma vila de nobres tradições "tauromáquicas" situada a poucos quilómetros de Lisboa, que tinham decidido prescindir duns quantos epísódios da telenovela da noite para aprenderem a gerir melhor as suas mercearias, talhos, farmácias, restaurantes e outros pequenos negócios locais. Frequentavam um curso organizado pela Associação de comerciantes da região e tinham criado entre eles uma corrente de simpatia e solidariedade própria de quem partilha experiências e aprende uma linguagem comum.

O tema era cativante e atraía com facilidade o interesse dos participantes no curso. Falar de temas como a comunicação, as relações interpessoais ou a motivação de equipas a pessoas que tinham anos de experiência de relacionamento diário com clientes e de liderança de equipas de trabalho, era tudo menos difícil.

José, o formador, embora jovem, juntava uma prática na gestão de pessoas em empresas com um enorme prazer na docência de acções de formação, especialmente quando entre os participantes se encontravam pessoas para quem o que aprendiam tinha aplicação prática quase imediata.

O curso tinha corrido muito bem até aí. Os alunos falavam das suas dificuldades na gestão dos seus empregados e das particularidades dos seus negócios, que todos consideravam como sendo únicas. José aproveitava estes testemunhos para gerar o debate, realçando os aspectos relevantes e orientando a aprendizagem.

O ambiente chegou ao rubro quanto estalou a discussão sobre se o dinheiro era ou não um factor de motivação. O jovem monitor falava sobre a existência de recompensas intrínsecas e extrínsecas e distinguia motivação de incentivo. Defendia entusiasticamente que o que verdadeiramente gerava a motivação dos empregados e os fazia trabalhar com mais energia e criatividade eram aspectos ligados às tarefas desempenhadas e ao prazer que delas conseguiam retirar.

Amélia, uma das participantes mais activas, que nesse dia tinha estado bastante calada manifestou-se de forma enfática: "Ó "soutor", não é bem assim!"

O "soutor" insistiu que era assim e continuou com a mesma convicção. Um aumento da retribuição ou um prémio em dinheiro podem "incentivar" um aumento de produtividade, mas apenas de forma passageira. Contudo, defendia ele, só tarefas mais exigentes e desafiantes ou uma maior autonomia no seu desempenho ou a contribuição para um fim comum geram um aumento de energia de forma consistente e continuada.

Mas Amélia, não pareceu nada convencida com a argumentação do José e repetiu num tom ainda mais incrédulo "Ó soutor, olhe que não é bem assim!"

É pois! repetiu o formador. Mesmo aceitando que existam diferenças na forma de motivar cada um dos nossos colaboradores, devido às diferenças de interesses e personalidade de cada pessoa, a verdade é que existem estudos que provam que, em termos gerais, a melhor forma de motivar uma pessoa é enriquecer a sua função com tarefas mais aliciantes, é dar-lhe maiores responsabilidades, novos desafios..

"ò Soutor, não é bem assim, pelo menos em alguns sectores", teimou Amélia.

José, tentando uma via para contornar a contestação pouco habitual de Amélia, orientou a sua resposta para a diferença entre satisfação e motivação, explicando que eram conceitos diferentes e ilustrando essa diferença afirmando que satisfeito é um colaborador que tem a camisola da empresa vestida, enquanto motivado é aquele que a tem vestida e suada. E continuou explicando os fundamentos teóricos da motivação e referindo vários exemplos de situações em que o delegar de responsabilidades, a atribuição de tarefas mais nobres, ou a participação num projecto de grande importância para a empresa originaram um aumento continuado do nível de empenho e da eficácia.

A linguagem corporal e facial de Amélia, indicavam que ela parecia estar vencida mas não convencida, pelo que não resistiu a retorquir: "Ok, Soutor, essas teorias podem aplicar-se noutros sectores, mas no meu não se aplicam."

José, já um pouco incomodado, respondeu: "Amélia, esta teoria parte da natureza humana que, como bem sabe, não varia de empresa para empresa, mas, de qualquer forma, diga-nos lá qual é o seu sector".

"Eu tenho uma agência funerária! - respondeu Amélia - O Soutor há-de me explicar que raio de satisfação ou motivação é que os meus colaboradores conseguem retirar das suas tarefas".

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