"Hábitos que Despedem"
há 206 semanas
O que é que eu faço com isto, Dr Marcelino? - perguntou Clarinda estendendo-lhe uma folha de papel com um email com poucas linhas escritas. Marcelino, Diretor de Recursos Humanos da StuartReynolds Pharmaceuticals (SB), percebeu de imediato pelo tom de voz e pela face alterada da Responsável de Logística que o tema não era agradável.
Pegou na folha e percebeu porquê. Era um email de Gilberto, um Delegado de Informação Médica (DIM) da região centro do país, dirigido à Clarinda e cujo texto dizia “tu vais é mamar no …. e seguiam-se uma enchorrilhada de palavrões de carácter sexual do mais baixo nível que ele alguma vira escritos. Olhou para Clarinda, que estava visivelmente incomodada com aquela situação, e perguntou-lhe:
- Isto é estranho, Clarinda. Você teve algum problema com ele?
- Não, respondeu ela, nunca tive nenhum problema com ele, aliás, nem o conheço bem. Não tenho com ele nem uma relação boa nem uma relação má.
- Tem alguma ideia sobre a razão para ele lhe ter enviado este email, insistiu Marcelino.
- Não tenho a mais pequena ideia, disse Clarinda, continuando – só sei que este email estava no meu computador desde sexta-feira e como não me pareceu prioritário só o abri hoje.
- Recordo-me que você na sexta-feira esteve na reunião de ciclo em Tomar e que faz lá uma apresentação para as equipas de vendas. Foi sobre algum tema problemático? Questionou Marcelino.
- Não, afirmou Clarinda, foi apenas uma apresentação sobre novas exigências legais, mas sem impacto no trabalho dos Delegados.
- Certo, Clarinda. Tudo isto é um muito estranho. Sugiro que me dê uns dias para investigar e depois voltamos a falar.
Clarinda, a Diretora de Logística da SB, tinha sido admitida por ele há cerca de dez anos. Era uma mulher jovem, bonita, extrovertida e que tinha ao longo dos anos construído muitas relações profissionais sólidas e baseadas em respeito mútuo. Casada, com dois filhos e, tanto quanto se sabia, com uma vida familiar estável e pacata. Não tinha, seguramente, o perfil para receber aquele tipo de missiva.
Alto, falador, simpático, o Gilberto deveria estar com cerca de cinquenta anos de idade e mais de vinte de casa, residia nos últimos anos numa pequena cidade da zona centro. Era um dos melhores e mais experientes DIMs da StuartReynolds. Conhecia-o bem. Saíra com ele algumas vezes e sabia que no seu dia a dia e entre colegas a sua linguagem ultrapassava, algumas vezes, os limites da boa educação. Não estranhava, pois, aquela linguagem vinda dele, mas parecia-lhe que ele não era o tipo de pessoa para enviar uma mensagem daquilo tipo a uma colega como a Clarinda, salvo por qualquer razão especial.
Olhou para o email e concluiu que ele tinha sido enviado na sexta-feira anterior poucos minutos depois das catorze horas. Pensou, foi o dia da reunião de ciclo em Tomar e a esta hora muitas equipas ainda estão a almoçar, pelo que seria possível que alguém tivesse tido acesso ao computador do Gilberto e enviasse aquela mensagem em nome dele. Vou chamá-lo para o confrontar e ver a sua reação, pensou.
Quando o Gilberto entrou no seu gabinete vinha notoriamente assustado, o que não era de estranhar pois a negociação de algumas saídas por mutuo acordo tinham sido ali efetuadas.
- Bom dia Gilberto, cumprimentou Marcelino, acrescentado – obrigado por cá ter vindo. O assunto que tenho para falar consigo não é agradável, mas tem que ser esclarecido e só você o pode fazer.
- O que se passa, Dr, respondeu Gilberto, já muito próximo do estado de pânico.
- Passa-se isto, respondeu Marcelino, estendendo-lhe o email e acrescentando, preciso de saber se foi você que enviou esse email à Dra Clarinda.
Quando Gilberto, viu o email, desatou num choro convulsivo que entrecortava com “Ai que eu dei cabo da minha vida”, frase que durantes uns minutos foi repetindo entre os soluços.
Depois de o deixar libertar as suas emoções durante alguns minutos, Marcelino conseguiu acalmá-lo e foi, pouco a pouco, percebendo o que se tinha passado.
Depois de almoço, na reunião de Tomar, a Lúcia, uma colega “do seu tempo” com pouca prática do uso de ferramentas informáticas pediu-lhe para ele a ensinar a responder a emails. Nessa altura, por mero acaso, tinham pegado num email da Clarinda e ele tinha-o usado para lhe explicar como se fazia um “reply”. Escreveu um texto e, inadvertidamente, carregou no botão “enviar”.
- Já percebi o que se passou Gilberto, disse Marcelino, mas há algo que não entendo. A sua colega Lúcia é uma senhora de cinquenta anos, mãe de filhos, como é possível escreverem um email com aquele chorrilho de asneiras.
- Tem razão, Dr, respondeu o Gilberto, acrescentado em tom de pedido de desculpa, não foi por mal. É o tipo de linguagem que usamos habitualmente entre nós.
Pois é, Gilberto, é preciso ter muito cuidado com os nossos hábitos. Alguns podem levar ao despedimento!
Ushuaia, 1 de Fevereiro de 2020
José Bancaleiro
Managing Partner
Stanton Chase Portugal