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“Liderança obsoleta”

há 193 semanas

Não compreendo estes jovens, desabafou Julieta. Trocam de emprego como eu troco de camisa! Parece que não há nada os satisfaça e os prenda a uma Empresa, continuou dirigindo-se à Diretora de Recursos Humanos e entregando-lhe a carta de demissão da Filipa.

A Filipa? Questionou, Mara, a Diretora de Recursos Humanos, mas não me disseste que ela estava a fazer um excelente trabalho e muito empenhada por fazer parte da equipa internacional do projeto de “data mining”?

Disse-te e confirmo, disse Julieta. Ela dava sinais de estar muito motivada por fazer parte dessa equipa, acrescentando, até estava a dar nas vistas a nível internacional. Vários membros do “team” me disseram que ela era excelente.

Sabes a razão da sua saída? perguntou Mara. Que me lembre já são quatro do programa de trainees que saem antes do fim do estágio.

Disseram-me que ela vai para a Makseney, respondeu Julieta. Provavelmente sai para ir ganhar mais. Tenho pena, mas a verdade é que, embora ela seja tecnicamente muito forte, eu nunca a senti muito ligada à nossa empresa. Às vezes atrasava-se, raramente saía depois da hora e dava sinais de não gostar quando eu lhe chamava à atenção. Esta malta nova não se dedica a nada.

Quem não vai gostar da notícia é o VP de Market Research e o nosso Diretor Geral ainda menos, arguiu Mara. Vai-nos atirar à cara que já é quarta que se vai embora antes do fim do estágio.

Filipa sempre foi uma boa aluna. Quando terminou o liceu optou por um curso de engenharia que a obrigava a estudar afincadamente 12 horas por dia e 7 dias por semana. Concluiu o curso entre as melhores classificadas e seria facilmente aceite nas maiores empresas do setor do seu curso em qualquer parte do mundo. Por razões do coração optou por ficar em Portugal e entrou numa consultora internacional na qual participou em projetos de “business inteligence”, área que gostou e na qual decidiu especializar-se, inscrevendo-se no mestrado duma prestigiada “business school”.

Foi um dos seus professores do mestrado que lhe sugeriu que ela entrasse no programa de trainees da Bacredit. Tinha várias propostas de empresas de TIs e de Consultoras, mas optou pela Bacredit por se ter apercebido da existência duma base de dados de crédito ao consumo enorme e praticamente virgem, o que lhe permitiria aplicar as diferentes ferramentas analíticas que aprendera no curso.

Ficou na equipa da Dra Julieta, Diretora de Market Inteligence, que rapidamente concluiu ser a pessoa certa para a ajudar a fazer a ponte entre os conceitos teóricos aprendidos no mestrado e a sua aplicação prática. A Dra Julieta estava há perto de vinte anos na empresa, na qual tinha construído um departamento de “business inteligence” que era uma referência em Portugal e também na Bacredit a nível internacional.  

Percebeu logo nos primeiros contactos que a Dra Julieta juntava em extraordinário domínio técnico a um profundo conhecimento do negócio e a um grande pragmatismo, o que lhe permitia encontrar soluções de grande valor para a empresa. Extremamente dedicada, trabalhava desde muito cedo até muito tarde. Estava sempre disponível para a ajudar tecnicamente e para a orientar nos seus trabalhos. Ficou-lhe grata muito entusiasmada quando a Dra Julieta a indicou para integrar a equipa internacional que estava a desenvolver o data mining, porque era considerado um projeto considerado estratégico e de grande visibilidade.

Os problemas começaram ao fim de poucas semanas na Bacredit. Chegou uns minutos depois da hora de entrada e a Dra Julieta chamou-lhe à atenção para necessidade de ser rigorosa no cumprimento de horários e sobre a importância que isso teria no seu futuro. A partir daí a Dra Julieta parecia controlar a forma como ela cumpria o seu horário e mostrava o seu desagrado se ela se atrasava poucos minutos à chegada ou no regresso do almoço. Tinha pensado em propor-lhe ficar alguns dias a trabalhar a partir de casa porque se conseguia concentrar melhor, mas nem se atreveu.

Mas o mais desagradável era o facto da Dra Julieta querer que ela ficasse para além do seu horário. Começou a marcar-lhe reuniões à hora de saída e ela teve de lhe dizer algumas vezes que tinha compromissos e não podia ficar. Gostava de se encontrar com o Miguel, o seu namorado, depois do trabalho e de passarem algum tempo juntos. Não lhe custava nada, pelo contrário, trabalhar em casa depois do jantar, mas para prolongar o horário no escritório, nem pensar.

A gota de água que fez transbordar o copo foi quando se atrasou três minutos e a Dra Julieta lhe voltou a falar da importância de ter rigor na hora de entrada. Ficou tão surpreendida que nem lhe disse tinha trabalhado noite dentro para poder apresentar resultados numa reunião do team de data mining em que iria participar dentro de uma hora. Nesse dia decidiu que iria aceitar ir às entrevistas das várias empresas que a contactavam repetida e insistentemente.

 

José Bancaleiro
Managing Partner Stanton Chase Portugal

 

Artigo publicado na edição 126 da revista Human.